terça-feira, 3 de junho de 2008

:: Beulah ::



:: BEULAH - Yoko (2003)

Pra mim, este magnífico e injustamente subestimado Yoko é um dos melhores álbuns de "rock alternativo" nesta década - e olha que mil trecos ultra-diferentes se enquadram debaixo do teto desse hospitaleiro rótulo. Que diabos houve para que tão poucos tenham descoberto e caído de amores por essa pérola?!

Antes de ter ouvido esse álbum, eu não tinha o Beulah em grande conta. A banda parecia só mais uma dentre tantas que fez fama por ressuscitar a clássica música pop dos anos 60 através de canções adocicadas e semi-sinfônicas, mas sem conseguir trazer uma proposta nova para um futuro desenvolvimento do rock nos moldes sessentistas. O Beulah era só um coletivo retrô de reconstrução de um mundo sônico feito à imagem e semelhança dos Beach Boys, dos Beatles e dos Kinks. Tudo era bem ensolarado, bonitinho e cheio de melodias infantilmente contagiantes, mas eu sentia falta de uma certa dose de originalidade, de idiosincrasia, de ímpetos ousados de forçar o gênero a uma evolução. Era como se eles acreditassem que a perfeição já havia sido atingida pelo pop das antigas e a única atitude cabível era imitá-lo. O Beulah era mais como um grupelho de crianças brincando no parque de diversões da psicodelia-pop sessentista, com um certo sabor lo-fi herdeiro do Pavement misturado ao caldo, mas onde faltava algo de distintivo que separasse a banda da multidão de outros grupos de proposta semelhante.

Haviam, é claro, os títulos das músicas, onde sobrava a criatividade que faltava na música ("Um Bom Homem É Fácil De Matar", "Se o Homem Pode Pousar Na Lua, Eu Certamente Posso Ganhar Seu Coração", "Eu amo John, ela ama Paul" e "Mecânica Popular Para Amantes" entre elas). Mas no fim o veredicto era: o Beulah certamente era uma das bandas menores dentre a galera da “nova psicodelia” da Elephant 6, não tão boa quanto o Neutral Milk Hotel ou o Olivia Tremor Control, mas que ainda assim conseguia ser simpática e acariciadora dos ouvidos. Banda passável, mas que deixava lá no fundo da boca, após a degustação de The Coast Is Never Clear ou When Your Heartstrings Back, aquele gostinho de comida requentada...

“Yoko”, o quarto (e derradeiro) full-lenght da banda, foi um imenso passo à frente para o Beulah. Este disco é um épico indie-rock grandioso, apaixonadamente eclético, duma musicalidade deliciosa e fluida. Foi com esse discaço que o Beulah se ergueu aos céus, aos meus olhos, tendo criado uma adorável e variada viagem pop que lembra o Summerteeth do Wilco ou o Grand Prix do Teenage Fanclub - um álbum com merecido lugar de honra no panteão de ouro do rock alternativo americano dos últimos anos. Uma grata surpresa vinda de uma banda que nunca pareceu capaz de parir tremenda obra-prima.

“My love is a lot like yours: it’s been crippled by the wars we wage. We’re hopeless. We’re on the losing side”, canta o vocalista Miles Kurowsky na primeira faixa deste “Yoko”, deixando claro que o antigo climão ensolarado foi momentaneamente afastado do céu beuliano. Em contraste com o material anteriormente lançado pela banda, o disco é realmente mais sombrio e melancólico do que seria de se esperar de banda outrora tão alegrinha. Mas ainda assim o Beulah continua sendo uma banda jovial e adequadíssima para curar melancolias suaves e depressões leves: uma vitalidade contagiante sempre se sobressai contra as sombras e a banda nunca escorrega para a morbidez joy-divisioniana.

A Dusted, revista eletrônica muito apreciável, disse o essencial: “[não há] nenhum traço de auto-piedade ou lambimento de feridas em ‘Yoko’, apenas uma nova gravidade lírica e um aproach um tanto mais maduro sobre o que já era uma quase-perfeita abordagem da canção pop. Se Heartstrings e Coast pintaram a banda como crianças em brincandeira na estética do pop anos 60, então eles cresceram um tanto nos últimos dois anos, refinando seus gostos de extendidos-demais para simplesmente versáteis”.

Nos meses de composição deste álbum, conta-se que quatro dos seis membros da banda passaram por divórcios ou relacionamentos de longa data finalizados, o que ajudaria a explicar as nuvens negras que deixam o ambiente nublado em “Yoko”. O nome do disco, aliás, provavelmente vai trazer à mente de quase todos a imagem de uma certa artista de olhinhos puxados famosa por ter capturado as atenções amorosas de John Lennon e por ter sido acusada de acabar com uma certa bandeca dos anos 60, servindo como um símbolo para o fantasma da Separação que assombra o álbum. Mas o título também pode ser simplesmente um acrônimo para “You’re Only King Once”, a faixa 3, lamentosa balada wilconiana que nos implora por um sorriso.

“Yoko” viaja num amplo espectro pop: passa pelo punk-pop garageiro barulhento e quase bubblegum (“Landslide Baby”, “Your Mother Loves You Son”, “My Side Of The City”), pela balada folk introspectiva (“You’re Only King Once”), pela balada épica e grandiosa (“Fooled With The Wrong Guy”), sempre com letras muito acima da média. Excelentemente produzido, o álbum traz os interlúdios entre as faixas recheados com barulhinhos atmosféricos que parecem saídos do Yankee Hotel Foxtrot do Wilco e contêm refrões soterrados lindamente debaixo duma parede de som spectoriana (“A Man Like Me").

O destaque supremo do disco, segundo as opiniões dos meus ouvidos deliciados, é certamente “Me and Jesus Don’t Talk Anymore”, uma canção pop que beira a perfeição. Pianos distantes se misturam às barulheiras foxtrotianas na longa introdução de um minuto, após a qual tudo se silencia. Kurowsky começa a cantar quase sem acompanhamento, a bateria começa a marcar o ritmo sem fazer estardalhaço e se encorpa na estrofe seguinte. No lindo pré-refrão, as guitarras entram rasgando acordes distorcidos enquanto ouvimos: “Though we are falling stars, we feel just fine”. A música vai num crescendo que culmina com o melhor momento do vocal de Kurowsky em todo o disco. Ele canta seu “your body's cold and you're going nowhere” com uma agudeza e uma emotividade não de se esperar de verso tão deprê, e tudo explode em “uh uh rúúúú! ahhhhhh ahhhhhs!” deliciosos, que preparam o caminho para solos de guitarra de derreter manteiga e metais de dar calafrios de delícia. É uma obra prima que traz à mente os melhores momentos do Wilco fase Summerteeth e uma das canções que certamente entraria num best of do indie-rock na década 00.

Resumo da ópera: nenhum outro disco do Beulah é tão competente em visitar ambientes tão diversos mantendo a homogeneidade e a fluência quanto Yoko. É aqui que a banda deixa de ser apenas um grupo que reverencia de joelhos os anos 60 e se transforma numa banda original, vigorosa, apaixonante, que anda por seu próprio caminho. E não chegou a ser má idéia dos caras acabar o percurso por aqui (o Beulah se desfez logo depois deste álbum, legítimo canto de cisne) . Pois como diabos eles conseguiriam compor um sucessor à altura?



DOWNLOAD (mp3 VBR - 67 MB) :
http://www.mediafire.com/?xlyzernny8y
link novo! arquivos com qualidade firmeza agora,
já que a versão postada antes tava meio zoada...
desculpem a nossa falha.

6 comentários:

Anônimo disse...

e ai galera do depredando o orelhão!
belo posto sobre beulah! não conheço a banda ainda..mas vou experimentar!

abraços!

Anônimo disse...

e aê rapá! valeu pela força! que o beulah possa ser uma descoberta massa por aí! depredando inc. sempre espera que seus frequentadores experimentem os frutos de nossas árvores, neste verdadeiro Jardim Do Éden musical que é esse blog (hoho!), e não sintam indigestão!

abrxx!

Anônimo disse...

Depredando Inc.

Tenho entrado o blog praticamento todo dia e já peguei vários discos e em alguns eu notei que a qualidade do audio está "ruim" ou "estranho".
Vocês sempre informam no post a qualidade né? "mp3 de 192kps", por exemplo o cd do Beulah você ouve ele e a qualidade não me parece muito boa, parece que estou ouvindo a mp3 com baixa qualidade.
Não sei se mais alguém já notou isso em alguns dos downloads feitos.
Bom é isso...foi mal o encomodo!
Ah e uma sugestão de post que tal a banda Macaco Bong de Cuiabá,eles acabaram de lançar o primeiro cd!Eles são bons pra caralho!
Isso ai, abraços galera do depredando!

Anônimo disse...

e aê lucas! valeu pela dica... o disco do beulah aqui disponibilizado passou por um certo processo de rippagem dum velho CD-R meu, e talvez por isso possam ter nascido algumas mp3 com "som estranho", apesar de eu não ter notado nada fora do normal à primeira audição... Mas vou tentar rebaixar o disco na net numa qualidade excelente - de 200kps pra cima - e repostá-lo aqui. E não é incomôdo não, rapá! Achamos super importante o "feedback" da galera para que o blog possa melhorar cada dia mais! valeus!

O Macaco Bong é realmente uma banda interessante. Vi show dos caras no Centro Cultural São Paulo um tempinho atrás, abrindo pro Terminal Guadalupe, e me chamou a atenção - principalmente o guitarrista, q tem mó estilão Jimi Hendrix...

É isso aí, abraços e volte sempre!

Alexandre_kiko disse...

Eu ouvi os 4 cds da banda...
acho que primeiramente escutei umas 2 vezes cada.
o que eu mais gostei foi o When Your Heartstrings Break e western states.
agora, tou viciado, ouvindo direto esses 2.
mas depois que li essa postagem, vou escutar mais algumas vezes o yoko pra ver se eu consigop enxergá-lo dessa forma

Diários de um reator anaeróbio disse...

Que descrição!!
Teu blog está de parabéns!!
Já está no meu Favoritos!
Observarei com frequência agora.

Beulah é definitivamente uma das bandas da minha vida.
E o Yoko é uma obra-prima. Virei fã por causa dele.
Depois que comecei a escutar os outros álbuns, e tenho um carinho especial pelo The Cost is never Clear.
Mas o Yoko me dá calafrios do começo ao fim.

E Landslide Baby é a melhor!
mas tenho motivos particulares para essa escolha...
=]

Mais uma vez, parabéns!
Texto de altíssima qualidade, que poderia estar figurando fácil em qualquer revista especializada em música!