quinta-feira, 29 de março de 2012


“Os conservadores alegam que, sem o estímulo econômico da renda dos direitos autorais, os artistas não se sentiriam estimulados a produzirem novas obras, o que é uma falácia que pode ser facilmente rechaçada contrastando-a com a realidade social. A maioria dos músicos não recebe mais que 3% do valor pago em cada um de seus discos. Os 97% restantes servem para cobrir os custos de produção e distribuição do disco e, claro, para garantir os lucros das gravadoras. Em suma: o atravessador ganha muito mais direitos autorais que o próprio autor. 
Para um músico em início de carreira ganhar um salário mínimo por mês com direitos autorais, precisaria vender cerca de 540 discos a R$33 cada no período, algo bem distante da realidade da maioria. Duplas sertanejas precisariam do dobro disso e uma banda com 5 membros precisaria vender nada menos que 2.700 discos por mês para que cada membro ganhasse um salário mínimo. 
Claro que, se os músicos dependessem do estímulo econômico dos direitos autorais para produzirem, só teríamos músicos amadores. A principal fonte de remuneração dos músicos profissionais, no entanto, não é a renda dos direitos autorais, mas os cachês de seus shows. E aqui, paradoxalmente, a pirataria de CDs tem contribuído muito para aumentar a remuneração de novos talentos. Se, antes da internet, o músico dependia de um grande investimento da gravadora para se tornar conhecido e vender discos, hoje, a pirataria acaba cumprindo este papel de divulgação. Gente que não estaria disposta a pagar R$33 por um CD ouve a canção pirateada e acaba pagando pelo ingresso do show. Uma troca extremamente vantajosa para o músico que, com o aumento do público, pode aumentar o valor de seu cachê, mas péssima para a gravadora que lucra com a venda.”
[Túlio Vianna, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da UFMG.]  
Reproduzido da página no Facebook do Movimento Direito Pra Quem

quarta-feira, 28 de março de 2012

Millôr Por Si Mesmo: Auto-retrato de um Humorista Nato


Foi-se o Shakespeare do Méier, o Montaigne tupiniquim, o filósofo do Pasquim. O Brasil está um gênio mais pobre. Que desgraça gente assim ter que morrer! Mas que bom um homem desses ter vivido!

MILLÔR FERNANDES (1924-2012) - R.I.P.

* * * * *

Autobiografia De Mim Mesmo
À Maneira De Mim Próprio (1968)

E lá vou eu de novo, sem freio nem pára-quedas. Saiam da frente, ou debaixo que, se não estou radioativo, muito menos estou radiopassivo. Quando me sentei para escrever vinha tão cheio de idéias que só me saíam gêmeas, as palavras - reco-reco, tatibitati, ronronar, coré-coré, tom-tom, rema-rema, tintim-por-tintim. Fui obrigado a tomar uma pílula anticoncepcional. Agora estou bem, já não dói nada.

Quem é que eu sou? Ah, que posso dizer? Como me espanta! Já não se fazem Millôres como antigamente! Nasci pequeno e cresci aos poucos. Primeiro me fizeram os meios e depois as pontas. Só muito tarde cheguei aos extremos. Cabeça, tronco e membros, eis tudo. E não me revolto. Fiz três revoluções, todas perdidas. A primeira contra Deus, e Ele me venceu com um sórdido milagre. A Segunda com o destino, e Ele me bateu, deixando-me só com seu pior enredo. A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi, e vim parar aqui.


Vêem o que sou? E onde estou? E por que foi? Ah, sim, Millôr, é o que eu dizia. Nasci no Meyer, aos nove anos de idade, onde é que já ouvi isso? Aqui estou porém, tão magro e tonto, vago e preocupado: no escuro não enxergo, não entendo do que não sei, paro onde me detenho, vou e volto cheio de saudades. Pois, se fico, anseio pelo desconhecido. Se parto, rói-me a separação. Sou como toda gente. Já me lembro: estudei na Escola Enes de Sousa, no Meyer, onde, depois, fundei a Universidade do mesmo nome. Mas meus cursos maiores são de rua (e uma ou outra estrada), com seus currículos vitais de malandragem e medo.

Dou um boi pra não entrar numa briga. Dou uma boiada pra sair dela. Aos dez anos de idade vendi meu primeiro desenho pra jornal e me tornei alvo da admiração geral (minha mãe e minha avó). Aos quinze já era famoso em várias partes do mundo, todas elas no Brasil. Pois sou popular por natureza, por mais que me esforce pra ser hermético e profundo. Se eu chego e digo que achei um ninho de mafagafos com sete mafagafinhos, todos percebem logo que quem os desmafagafizar bom desmafagafizador será. Meu maior orgulho profissional é Ter sido publicado, há dez anos, e já como folclore, no almanaque da Saúde da Mulher. Talvez porque esse almanaque fosse uma das publicações mais profundamente populares de minha infância, ou porque as coisas mais preciosas da vida sejam Saúde e Mulher (ôba!). Venho, em linha reta, de espanhóis e italianos. Dos espanhóis herdei a natural tentação do bravado, que já me levou a procurar colorir a vida com outras cores: céu feito de conchas de metal roxo e abóbora, mar todo vermelho, e mulheres azuis, verdes, ciclames. Na bandeira que fiz pra minha Pátria, o lilás representa a cor das nossas florestas, o carmim a cor das nossas riquezas naturais, o amarelo a cor do nosso céu em dias verdes. Tudo isso, naturalmente, sob o dístico Desordem e Retrocesso.

Ordem e Progresso
Desordem e Retrocesso
(charge: Angeli)

Ah, como padeço!

Dos italianos que, tradicionalmente, dão para engraxates ou artistas, eu consegui conciliar as duas qualidades, emprestando um brilho novo ao humor nativo. Posso dizer que todo o País já riu de mim, embora poucos tenham rido do que é meu.

Sou um crente, pois creio firmemente na descrença. Não creio em Deus, mas sei que Ele crê em mim. Creio que a Terra é chata. Procuro em vão não sê-lo. Creio que as paralelas se encontram nos paralelepípedos. Acredito também numa lógica de ferro como base para um pensamento mais amplo que é ilógico, lolobrígido, subjetivo e animal. Como os checos, eu posso dizer SVOBODA SUVERENITA. Ou melhor: ZA SVOBODU DUBCEKA CERNIKA. O que, ambas as frases literalmente, não tenho a menor idéia do que querem dizer. Mas estou disposto a morrer por elas, como tanta gente morre por outras frases que também não entende. Para a vida e para a morte, como dizia Dom Pedro, às margens do Ipiranga, depois de satisfazer suas necessidades básicas.

Não me acho possuidor de um poder divino, mas de vez em quando solto meus trovões, e algum raio que os parta. Quanto a certos chefes de Estado, acho que devemos lhes dar todo o nosso apoio para ex-presidentes. E como recompensa exijo pouco - apenas, se a coisa endurecer, ser fuzilado por último. Pois em matéria de Democracia a que eu aprecio mesmo é a do Papá Doc que, esse sim, não faz discriminações a favor de ninguém. Fuzila amigos, inimigos e parentes na mesma proporção e com a mais serena equidade.

Apesar da escola, sou basicamente um autodidata. Tudo que não sei sempre ignorei sozinho. Nunca ninguém me ensinou a pensar, a escrever ou a desenhar, coisa que se percebe facilmente, examinando qualquer dos meus trabalhos.

A esta altura da vida, além de descendente e vivo, sou, também, antepassado. É bem verdade que, como Adão e Eva, depois de comerem a maçã, não registraram a idéia, daí em diante qualquer imbecil se achou no direito de fazer o mesmo. Só posso dizer, em abono meu, que ao repetir o Senhor, eu me empreguei a fundo. Em suma: um humorista nato. Muita gente, eu sei, preferiria que eu fosse um humorista morto, mas isso virá a seu tempo. Eles não perdem por esperar.


DICIONÁRIO DE IDÉIAS IMEDIATAS

ANATOMIA: Uma coisa que os homens também têm mas que, nas mulheres, fica muito melhor. Embora haja quem discorde.

CIVILIZAÇÃO: Consiste em inventar tantos processos de locomoção que, afinal, ninguém pode andar.

HOMEM: Que macaquinho mais fdp!

MORIBUNDO: Morto que ainda não morreu.

MUNDO: Deste, nada se leva. Dos outros se traz apenas pedras para exame em laboratórios.

MÚSICA: Não há nada que tenha alcançado a suprema grandeza do silêncio.

PAIS: São, geralmente, de outra geração.

REIS: Os que ainda existem demonstram apenas a força da inércia.

SEXO: É completamente incompreensível o interesse em torno do assunto depois de tantos milhares de anos de uso.

VIDA: Se eu tivesse nove andaria miando nos telhados.

MILLÔR FERNANDESPasquim #113.



terça-feira, 27 de março de 2012

Remasters da Discografia dos Beatles - MP3 hi-fi [320 kps] (Via The Pirate Bay)



Alguma alma generosa fez o favor de juntar todos os remasters dos álbuns dos Fab Four no mesmo torrent-tesão. Taí reunida a discografia completa de álbuns de estúdio dos fabulosos de Liverpool - desde Please Please Me, de 1963, até Let It Be, de 1970. E o melhor: tudo em mp3 de altíssimo calibre, com um som tão cristalino que não perde em nada prum CD de laser. 

Aproveite enquanto é tempo para baixar essa pérola porque o The Pirate Bay talvez não ficará dentre nós por muito tempo mais: a Suécia decretou a prisão dos fundadores do site e agora a baía pirata está ameaçada de ver um de seus navios mais repletos de preciosidades naufragar. Irá, talvez, pra mesma tumba pra onde já foram o Megaupload e o Napster. Uma pena: porque tem certos torrents que são um verdadeiro benefício pra humanidade, uma dádiva terrestre! Eis um deles:

 [14 Albums - MP3 320kps - software]

Please Please Me
 With The Beatles 
A Hard Day's Night 
Beatles for Sale 
Help! 
Rubber Soul 
Revolver 
Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band 
Magical Mystery Tour 
The Beatles (White Album) 
Yellow Submarine
Abbey Road 
Let It Be 
Past Masters

Da caixinha de memórias de Patti Smith: o 1º encontro com Rimbaud, um show dos Rolling Stones e o poeta vida-podreira Jim Carroll



Patti Smith abre sua caixinha de souvenirs e nos conta em fina prosa lá no Mate-me Por Favor (A História Sem Censura Do Punk):


O PRIMEIRO ENCONTRO COM RIMBAUD 

“A Poet makes himself a visionary through a long, boundless and systematized
disorganization of all the senses.”
Rimbaud 



Eu estava trabalhando numa fábrica e inspecionando produtos pra bebê, e era minha hora de almoço. Um cara passava por lá com uma carrocinha que tinham aqueles maravilhosos sanduíches de linguiça, e fiquei muito a fim de um. Eles custavam mais ou menos um dólar e quarenta e cinco. Fiquei muito afim de um, mas acontece que o cara só trazia dois por dia. E as duas senhoras que mandavam na fábrica, Stella Dragon e Dotty Hook, pegaram os dois.

Aí não havia nenhuma outra coisa que eu quisesse. Você fica obcecado  por uns certos sabores. Estava com a minha boca salivando pelo tal sanduíche de lingüiça quentinho, então fiquei na maior depressão. Daí caminhei ao longo dos trilhos da ferrovia até uma pequena livraria. Fiquei zanzando por lá, procurando alguma coisa pra ler, e vi Illuminations. Uma edição de bolso barata das Iluminuras do Rimbaud, sabe? Quer dizer, todo garoto teve uma. Tem aquela foto granulada de Rimbaud, e achei que ele tinha um ar muito elegante. Rimbaud parecia muito genial. Peguei o livro no ato. Nem sabia do que se tratava, simplesmente achei que Rimbaud era um nome elegante. Provavelmente chamei-o de "Rimbawd" e achei que ele era muito cool.

Daí voltei pra fábrica. E fiquei lendo o livro. Era em francês de um lado e em inglês do outro, e isso quase custou meu emprego porque Dotty Hook viu que eu estava lendo alguma coisa que tinha língua estrangeira e disse: "Pra que você está lendo coisa estrangeira?!?"

Eu disse: "Não é estrangeira."

Ela disse: "É estrangeira e é comunista. Qualquer coisa estrangeira é comunista."

Ela disse isso tão alto que todo mundo pensou que eu estivesse lendo O Manifesto Comunista [de Marx & Engels] ou coisa parecida. Todos se levantaram, foi um caos completo, é claro, e saí da fábrica muito puta da cara. Fui pra casa e, é claro, dei ao livro a maior importância antes mesmo de lê-lo. Me apaixonei de verdade por ele. Foi por aquele encantador Filho de Pan que me apaixonei... Porque ele era tão sexy.



A MAGNÉTICA PRESENÇA DE MICK JAGGER NO PALCO



O que me fez ter esperança no futuro da poesia foi o concerto dos Rolling Stones que vi no Madison Square Garden. Jagger estava cansado e todo detonado. Era uma terça-feira, ele tinha feito dois shows e estava de fato à beira de um colapso - mas o tipo de colapso que transcende pra mágica.

Jagger estava tão cansado que precisou da energia da platéia. Não foi um roqueiro naquela noite. Ele esteve mais perto de ser um poeta do que jamais estivera, porque estava tão cansado que mal conseguia cantar. Adoro a música dos Rolling Stones, mas o principal não foi a música, mas a performance - a performance visceral. Foi a performance visceral dele, o ritmo, a movimentação, a fala - ele estava muito cansado, dizia coisas do tipo: "Very warm here/ warm warm warm / It's very hot here / hot, hot / New York, New York, New York / band, bang, bang." (Muito quente aqui / quente quente quente / faz muito calor aqui / calor calor / Nova York Nova York Nova York / banda, bang, bang.)

Quer dizer, nada daquela coisa foi genial - foi a presença e a força dele que mantiveram a audiência na palma de sua mão. Havia eletricidade. Se os Rolling Stones tivessem ido embora e deixado Mick Jagger sozinho, ele teria sido maravilhoso como qualquer poeta naquela noite. Teria falado alguma de suas melhores letras e mantido a platéia magnetizada.

E aquilo me entusiasmou tanto que quase me despedacei, porque vi todo o futuro da poesia. Vi e senti de verdade, fiquei tão empolgada que mal cabia em mim, e isto me deu força pra seguir em frente. [...] Apresentação física numa performance é mais importante do que o que você está dizendo. Qualidade dá bom resultado, é claro, mas se a sua qualidade intelectual é alta, seu amor pela platéia é evidente, e você tem uma forte presença física, pode fazer qualquer coisa impunemente.


SEDUZIR PARA UMA CONSCIÊNCIA DE MASSA

Comecei a fazer sucesso escrevendo aqueles poemas longos, quase poemas de rock & roll. E gostava de apresentá-los, mas percebi que, embora fossem maravilhosos, não eram grande coisa no papel. Não estou querendo dizer que os renego, mas existe um certo tipo de poesia que é poesia de performance. É como os índios americanos, que não escreviam poesia conscientemente. Faziam cânticos, faziam linguagem ritual - e a linguagem do ritual é a linguagem do momento.

Mas, na medida em que ficavam congelados num pedaço de papel - não eram inspiradores. Você pode fazer o que quiser, contanto que seja um grande performer, sabe como é, pode repetir uma palavra mais e mais, contanto que seja um performer fantástico. Quer dizer, Billy Graham é um grande performer, muito embora seja um cagalhão. Adolf Hitler era um performer fantástico. Era da magia negra. E eu aprendi daí. Você pode seduzir as pessoas pra uma consciência de massa.

Assim, escrevo pra ter alguém. Há um motivo por trás de tudo que escrevo. Escrevo do mesmo jeito que me apresento. Quer dizer, você só se apresenta porque quer que as pessoas se apaixonem por você. Quer que elas reajam a você.

A outra coisa é que, através da performance, alcanço certos estados nos quais sinto minha mente muito aberta - tão cheia de luz, enorme, grande como o Empire State Building -, e, se consigo desenvolver uma comunicação com o público, um grupo de pessoas, quando minha mente está tão grande e receptiva, imagine a energia, a inteligência e todas as coisas que posso roubar delas.


JIM CARROLL É UM DOS VERDADEIROS POETAS DA AMÉRICA

Jim Carroll (3º da esq. pra direita), autor de The Basketball Diaries, 
adaptado pro cinema como Diários de um Adolescente

Os poetas de St. Mark's são muito insípidos, são umas fraudes, eles escrevem: "Hoje às nove e quinze tomei um pico de speed com Brigid..." São espertos o suficiente pra colocar isso num poema, mas se Jim Carroll entra doidão na igreja e vomita, isto não é um poema pra eles - não é cool. 

Tudo bem se você joga com isso na sua poesia, mas se está realmente nessa, aí já é outra coisa - não é algo que eles queiram encarar. Jim Carroll era a chance do St. Mark's Poetry Project ter algo real lá. Jim Carroll é um dos verdadeiros poetas da América. Quer dizer, é um poeta de verdade. É um junkie. É bissexual. Foi comido por todos os gênios masculinos e femininos da América. Foi comido por toda essa gente. Ele vive por inteiro. Vive uma vida repugnante. Às vezes você tem que tirá-lo de uma sarjeta. Ele esteve na prisão. É um fodido completo. Mas qual o grande poeta que não foi? Pra mim é incrível que aos 23 anos Jim Carroll tenha escrito todos os seus melhores poemas - com a mesma idade que Rimbaud escreveu os dele. Ele tem a mesma excelência intelectual e altivez de Rimbaud. 

Mas o baniram porque ele fodeu com tudo. Não apareceu pra sua leitura de poesia. Estava na cadeia. Bom pra ele. Disseram: "Oh, bem, não podemos mais pedir pra ele ler poesias." Foi ridículo.

tudo isso e muito mais lá no...



Mate-me Por Favor (Uma História Sem Censura do Punk) 
Legs McNeil e Gillian McCain (org.)
Editora L& PM


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Discografia Completa de Patti Smith [1975-2004] - mp3 de 192kps
Documentário "Patti Smith: Dream of Life" (2008), de Steven Sebring

<<< LEIA MAIS >>>
Patti Smith: Um Rimbaud de saias poetizando o rock'n'roll

terça-feira, 20 de março de 2012

O Social da Rede (via Revista Piauí)

tipos brasileirosO social da redepor RENATO TERRA
reproduzido da Revista Piauí # 66, março de 2012
 Nome: Rodrigo Rodrigues. Moro em: Facebook. Em relacionamento sério com: Twitter. Religião: Orkut. Gênero: on-line. Sobre mim: “Sorria sempre, seus lábios não precisam traduzir o que acontece em seu coração” (Clarice Lispector).
Como vocês já devem ter visto em meus perfis pessoais, sou ator, jornalista, cineasta, blogueiro e diretor de arte de uma agência de propaganda. Minha vida, aliás, é um Facebook aberto. Uso aplicativos para informar meus seguidores onde estou, quantas colheres de açúcar coloco no café e quanto tempo falta para cortar as unhas do pé novamente. Todo mês, transmito o banho do meu pug ao vivo. Ontem mesmo, abri uma discussão para decidir se colocava roupa branca ou escura na máquina de lavar. Cento e setenta e nove pessoas comentaram.
Toda vez que saio de casa, publico fotos. Sem exceção. Não raro, saio de casa apenas para publicar fotos. No bolso, celular com câmera 5.1 megapixels, e o dedo mais lépido que o Papa-Léguas para acionar o plano de dados. Não deixo passar um pôr do sol. Plac! O celular é o melhor amigo do homem social. É o cachorro que cabe no bolso.
Tenho mais amigos que Luciano Huck e mais seguidores que Buda. Numa das vezes que fui às ruas em 2012, aliás, notei que um homem me encarava. Escaneei, em vão, minha memória em busca de uma imagem que pudesse associar àquele rosto. Arquivo não encontrado. Resolvi desviar o olhar, mas não consegui bloqueá-lo. Ele se alçou em minha direção e, qual um Angry Bird, materializou-se na minha frente. Ofegante, estendeu a mão e perguntou: “Você não é o Rodrigo Rodrigues do Facebook?” Aturdido, fiz sinal de positivo com o dedo indicador. Ele sacou o celular para uma foto.
Hoje tenho tantos seguidores e solicitações de amizade que minha vida social prescinde de interface humana. Quando estou on-line, tenho controle total da linha do tempo da minha vida. Nem que, para isso, seja preciso ler as políticas de privacidade de cabo a rabo. Nas redes sociais não envelheço, não titubeio, não tenho cólica ou remela. E tenho o Photoshop sempre à mão. Meu perfil fica cada vez mais bonito com o passar dos anos.
No começo, mamãe estranhava minha opção pelo virtual e implorou para eu procurar um psicólogo. Encontrei um que atendia via Skype e aceitava pagamentos via PayPal. Marcamos sessões semanais. As primeiras conversas foram produtivas, mas em pouco tempo encontrei um aplicativo grátis que desempenhava a mesma função.
Cheguei a fazer incursões esporádicas numa realidade sem configurações antispam. Aos 15 anos, conheci uma simpática avatar num site de relacionamentos e cometi o erro de marcar um encontro ao vivo. Por que eu não me contentei com o mural de fotos? Para piorar, ela se comunicava em mais de 140 caracteres e não tinha um filtro para bloquear o mau hálito. Tentei reinicializar. Em vão. Resultado: desde que surgiu a função “cutucar”, passei a flertar apenas on-line.
Hoje vivo sempre a curtir. Ver aquele dedo polegar levantado em sinal de positivo funciona como um bálsamo para a autoestima. Anos de análise não quebrariam tantas barreiras do subconsciente, complexos de inferioridade e desejos reprimidos de aceitação social.
O oposto também tem funções terapêuticas. Em dias carentes, qual um Roberto Shinyashiki randômico, atualizo meu status com trovoadas motivacionais. Atuo como um polinizador de utopias. Frases como “Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade” são de arrepiar a alma. Quem não repensa toda uma vida depois de ler uma síntese como essa? Cada vez que um amigo clica em “curtir”, me sinto abraçado. Treinei como um pequeno Yoda para potencializar meus dotes sociais e criei dogmas que faço questão de seguir. Eles são tão importantes que copiei e colei no meu perfil.
Regra #1: É fundamental fragmentar a atenção. Faço exercícios diários nesse sentido. Quando me pego lendo mais de dois parágrafos de um texto ou vendo filmes com mais de um minuto, desvio o olhar para outra coisa. Sou capaz de postar uma mensagem enquanto dirijo, mesmo que esteja conversando, ouvindo música e mexendo no GPS.
 Regra #2: Olhe para as redes sociais como um Lévi-Strauss 2.0. É fundamental compreender as características antropológicas de cada uma. Use o Orkut para compartilhar piadas de salão. No Twitter, tente sempre parecer inteligente e, no Facebook, aja sempre como a pessoa que você gostaria de ser.
Regra #3: Encarne o Cesar Maia e interaja efusivamente com seus seguidores. Comente, curta, compartilhe. Separe vinte minutos pela manhã e escreva recados carinhosos para seus amigos aniversariantes.
Regra #4: Todo mundo tem um lado ruim. Para dar vazão a esse lado, crie um perfil falso.Um social da rede que pretende causar buzz não pode olhar apenas para seu umbigo. É preciso antever as novidades, ter suas fontes e construir uma rede de contatos. Nunca se sabe quando um apresentador de telejornal fará uma nova trapalhada ou quando uma experiência fofinha envolvendo crianças será filmada novamente. A sociedade on-line dá crédito àquele que divulga rapidamente um comercial engraçado, uma notícia sobre os benefícios da cerveja ou a expertise de um bebê com seu tablet. Modéstia à parte, creio que sou reconhecido – quiçá internacionalmente – pela ampla capacidade de mobilização em prol de temas humanitários. Se a gente não se fizer o bem, quem o fará? Recentemente, cativei todos os meus contatos, durante um mês, a assinar uma petição on-line contra uma enfermeira que espancou um ornitorrinco até a morte numa pet shop em Madagascar. Os jovens de 1960 quiseram salvar o mundo real. Minha geração, menos ingênua, não foge da luta: está disposta a pegar em armas virtuais para salvar os bichinhos com um clique no mouse. É uma utopia, mas os sonhos não envelhecem. O bom é que posso me indignar sem ficar zangado. Basta compartilhar um vídeo do Arnaldo Jabor, uma imagem de um cachorro maltratado ou um texto incisivo sobre o assunto do momento. Já questionei os patrocinadores do Big Brother por bancarem um programa que estimula o estupro, enviei e-mails para o governo do Congo cobrando atitudes para melhorar aquele IDH chinfrim e publiquei fotos denunciando a clonagem de bonecas infláveis no sudoeste do Suriname. Nem Gandhi fez tanto! Aliás, gostei desse texto. Pena que o autor é desconhecido. Vou postar no meu perfil dando crédito ao Verissimo para ver se alguém lê.

tipos brasileiros

O social da rede
por Renato Terra
Revista Piauí # 66 

Nome: Rodrigo Rodrigues. Moro em: Facebook. Em relacionamento sério com: Twitter. Religião: Orkut. Gênero: on-line. Sobre mim: “Sorria sempre, seus lábios não precisam traduzir o que acontece em seu coração” (Clarice Lispector).

Como vocês já devem ter visto em meus perfis pessoais, sou ator, jornalista, cineasta, blogueiro e diretor de arte de uma agência de propaganda. Minha vida, aliás, é um Facebook aberto. Uso aplicativos para informar meus seguidores onde estou, quantas colheres de açúcar coloco no café e quanto tempo falta para cortar as unhas do pé novamente. Todo mês, transmito o banho do meu pug ao vivo. Ontem mesmo, abri uma discussão para decidir se colocava roupa branca ou escura na máquina de lavar. Cento e setenta e nove pessoas comentaram.

Toda vez que saio de casa, publico fotos. Sem exceção. Não raro, saio de casa apenas para publicar fotos. No bolso, celular com câmera 5.1 megapixels, e o dedo mais lépido que o Papa-Léguas para acionar o plano de dados. Não deixo passar um pôr do sol. Plac! O celular é o melhor amigo do homem social. É o cachorro que cabe no bolso.

Tenho mais amigos que Luciano Huck e mais seguidores que Buda. Numa das vezes que fui às ruas em 2012, aliás, notei que um homem me encarava. Escaneei, em vão, minha memória em busca de uma imagem que pudesse associar àquele rosto. Arquivo não encontrado. Resolvi desviar o olhar, mas não consegui bloqueá-lo. Ele se alçou em minha direção e, qual um Angry Bird, materializou-se na minha frente. Ofegante, estendeu a mão e perguntou: “Você não é o Rodrigo Rodrigues do Facebook?” Aturdido, fiz sinal de positivo com o dedo indicador. Ele sacou o celular para uma foto.

Hoje tenho tantos seguidores e solicitações de amizade que minha vida social prescinde de interface humana. Quando estou on-line, tenho controle total da linha do tempo da minha vida. Nem que, para isso, seja preciso ler as políticas de privacidade de cabo a rabo. Nas redes sociais não envelheço, não titubeio, não tenho cólica ou remela. E tenho o Photoshop sempre à mão. Meu perfil fica cada vez mais bonito com o passar dos anos.

No começo, mamãe estranhava minha opção pelo virtual e implorou para eu procurar um psicólogo. Encontrei um que atendia via Skype e aceitava pagamentos via PayPal. Marcamos sessões semanais. As primeiras conversas foram produtivas, mas em pouco tempo encontrei um aplicativo grátis que desempenhava a mesma função.

Cheguei a fazer incursões esporádicas numa realidade sem configurações antispam. Aos 15 anos, conheci uma simpática avatar num site de relacionamentos e cometi o erro de marcar um encontro ao vivo. Por que eu não me contentei com o mural de fotos? Para piorar, ela se comunicava em mais de 140 caracteres e não tinha um filtro para bloquear o mau hálito. Tentei reinicializar. Em vão. Resultado: desde que surgiu a função “cutucar”, passei a flertar apenas on-line.

Hoje vivo sempre a curtir. Ver aquele dedo polegar levantado em sinal de positivo funciona como um bálsamo para a autoestima. Anos de análise não quebrariam tantas barreiras do subconsciente, complexos de inferioridade e desejos reprimidos de aceitação social.

O oposto também tem funções terapêuticas. Em dias carentes, qual um Roberto Shinyashiki randômico, atualizo meu status com trovoadas motivacionais. Atuo como um polinizador de utopias. Frases como “Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade” são de arrepiar a alma. Quem não repensa toda uma vida depois de ler uma síntese como essa? Cada vez que um amigo clica em “curtir”, me sinto abraçado. Treinei como um pequeno Yoda para potencializar meus dotes sociais e criei dogmas que faço questão de seguir. Eles são tão importantes que copiei e colei no meu perfil.

Regra #1: É fundamental fragmentar a atenção. Faço exercícios diários nesse sentido. Quando me pego lendo mais de dois parágrafos de um texto ou vendo filmes com mais de um minuto, desvio o olhar para outra coisa. Sou capaz de postar uma mensagem enquanto dirijo, mesmo que esteja conversando, ouvindo música e mexendo no GPS.

Regra #2: Olhe para as redes sociais como um Lévi-Strauss 2.0. É fundamental compreender as características antropológicas de cada uma. Use o Orkut para compartilhar piadas de salão. No Twitter, tente sempre parecer inteligente e, no Facebook, aja sempre como a pessoa que você gostaria de ser.

Regra #3: Encarne o Cesar Maia e interaja efusivamente com seus seguidores. Comente, curta, compartilhe. Separe vinte minutos pela manhã e escreva recados carinhosos para seus amigos aniversariantes.

Regra #4: Todo mundo tem um lado ruim. Para dar vazão a esse lado, crie um perfil falso. 



Um social da rede que pretende causar buzz não pode olhar apenas para seu umbigo. É preciso antever as novidades, ter suas fontes e construir uma rede de contatos. Nunca se sabe quando um apresentador de telejornal fará uma nova trapalhada ou quando uma experiência fofinha envolvendo crianças será filmada novamente. A sociedade on-line dá crédito àquele que divulga rapidamente um comercial engraçado, uma notícia sobre os benefícios da cerveja ou a expertise de um bebê com seu tablet. 

Modéstia à parte, creio que sou reconhecido – quiçá internacionalmente – pela ampla capacidade de mobilização em prol de temas humanitários. Se a gente não se fizer o bem, quem o fará? Recentemente, cativei todos os meus contatos, durante um mês, a assinar uma petição on-line contra uma enfermeira que espancou um ornitorrinco até a morte numa pet shop em Madagascar. Os jovens de 1960 quiseram salvar o mundo real. Minha geração, menos ingênua, não foge da luta: está disposta a pegar em armas virtuais para salvar os bichinhos com um clique no mouse. É uma utopia, mas os sonhos não envelhecem.

O bom é que posso me indignar sem ficar zangado. Basta compartilhar um vídeo do Arnaldo Jabor, uma imagem de um cachorro maltratado ou um texto incisivo sobre o assunto do momento. Já questionei os patrocinadores do Big Brother por bancarem um programa que estimula o estupro, enviei e-mails para o governo do Congo cobrando atitudes para melhorar aquele IDH chinfrim e publiquei fotos denunciando a clonagem de bonecas infláveis no sudoeste do Suriname. Nem Gandhi fez tanto!

Aliás, gostei desse texto. Pena que o autor é desconhecido. Vou postar no meu perfil dando crédito ao Verissimo para ver se alguém lê.

O Ecad vai rodar!

Ecad na Berlinda! (Via IstoÉ)
“No fim de abril, a CPI do Senado que investiga a atuação do Escritório Central de Direitos Autorais (Ecad) concluirá seus trabalhos, com acusações pesadas contra o órgão privado responsável por arrecadar recursos que deveriam ser repassados aos artistas. Em quase 100 páginas, o esboço do relatório obtido por ISTOÉ aponta irregularidades graves na conduta do Ecad e pedirá o indiciamento de pelo menos quatro dos seus diretores por formação de quadrilha, cartel e apropriação indébita. Entre os fatos encontrados pela CPI estão excessos cometidos por fiscais a não distribuição de cerca de R$ 90 milhões aos compositores em 2010 e o pagamento de pró-labores milionários para seus diretores. 
Além disso, pesa contra o Ecad a acusação de descumprimento da lei segundo a qual o órgão não teria finalidade de obtenção de lucro. Contrariando a lei, em 2010, o Ecad arrecadou R$ 430 milhões e distribuiu apenas R$ 340 milhões. O restante foi parar em sua conta.”SAIBA MAIS 
 

Ecad na Berlinda! (Via IstoÉ)
“No fim de abril, a CPI do Senado que investiga a atuação do Escritório Central de Direitos Autorais (Ecad) concluirá seus trabalhos, com acusações pesadas contra o órgão privado responsável por arrecadar recursos que deveriam ser repassados aos artistas. Em quase 100 páginas, o esboço do relatório obtido por ISTOÉ aponta irregularidades graves na conduta do Ecad e pedirá o indiciamento de pelo menos quatro dos seus diretores por formação de quadrilha, cartel e apropriação indébita. 
Entre os fatos encontrados pela CPI estão excessos cometidos por fiscais, a não distribuição de cerca de R$ 90 milhões aos compositores em 2010 e o pagamento de pró-labores milionários para seus diretores. Além disso, pesa contra o Ecad a acusação de descumprimento da lei segundo a qual o órgão não teria finalidade de obtenção de lucro. Contrariando a lei, em 2010, o Ecad arrecadou R$ 430 milhões e distribuiu apenas R$ 340 milhões. O restante foi parar em sua conta.”
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Ana de Holanda no País do Ecad
(por Jotabê Medeiros, via Farofafa)
"Um espectro ronda o Ministério da Cultura desde que a presidenta Dilma Rousseff empossou a cantora e compositora Ana de Hollanda: a tese de que sua gestão estivesse alinhada aos interesses do poderoso Ecad, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição. Documentos que agora emergem dos bastidores do poder sugerem uma sintonia siamesa. [...] Como o MinC é o órgão público responsável pelo setor de direito autoral, pressupõe-se que deveria zelar pela defesa do interesse público. O Ecad é uma instituição privada (paga Imposto de Renda inclusive por bônus pagos aos seus diretores).
[...] "Ana de Hollanda desfruta hoje de uma rara unanimidade negativa. A gota d’água, na semana passada, foi a revelação (pelo blog FAROFAFÁ) de que o MinC advogou em favor do Escritório de Arrecadação e Distribuição de Direitos (Ecad) em um processo no qual a instituição autoral é acusada de cartelização e gestão fraudulenta."
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Siga Pedro Alexandre Sanches ( http://www.farofafa.com.br/ ) no Twitter
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SAIBA MAIS:



a nova música brasileira (coletânea)


Caldeirão Tupiniquim #003
Coletânea de Música Brasileira Contemporânea
Mais coletas: http://8tracks.com/depredando 
Compartilhe à vontade!

Setlist:

Wado e o Realismo Fantástico - “Grande Poder”
Plástico Lunar - “Boca Aberta”
Saco de Ratos - “Boêmios Errantes”
Vícios da Era - “Nos Eixos da Ilusão”
Cícero - “Laiá Iáiá”
Criolo - “Bogotá”
Casuarina - “Terra Firme”
Mariana Aydar - “Tá?”
Radiocarbono - “O Vôo de Samsa”
Dona Zica - “Protesto Pessoal”
Mini Box Lunar - “Piquinique no Espaço”
Mersault e a Máquina de Escrever - “Prostituto”
Tiê - “Passarinho”
Céu - “Retrovisor”

segunda-feira, 19 de março de 2012

Caso Pinheirinho: As Vozes das Vítimas

 
 


TERRA DAS VIOLAÇÕES

Caso Pinheirinho: Relatório de conselho estadual de direitos humanos 
identifica mais de 1800 violações, fora suspeita de estupro 

Ilustrações de Carlos Latuff. Fotografia: Reuteurs.

"Um relatório do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) identificou mais de 1800 denúncias de violações de direitos humanos por parte da Polícia Militar e Guarda Civil durante a desocupação do assentamento Pinheirinho, em 22 de janeiro. A maior parte delas (13,6% do total de denúncias e citada por 41% dos entrevistados) se refere a ameaças e humilhações.
 Das 634 pessoas que responderam ao questionário, 166 (26,2%) relataram ter sofrido algum tipo de agressão física e 205 afirmaram que suas casas foram  demolidas sem tempo para a retirada de seus bens. Além disso, 80 pessoas disseram ter ficado sem emprego ou fonte de renda por conta do episódio. Para piorar, ao menos 71 casas foram saqueadas e 67 pessoas foram ameaçadas por pessoas armadas.
O documento exige uma tomada de responsabilidade por parte das autoridades e a abertura de inquérito civil público pelo Ministério Público e faz o pedido, junto à Secretaria de Segurança Pública (SSP), para que forneça as imagens gravadas durante a operação, sem cortes, e a relação dos soldados participantes – além de investigações na Corregedoria. Por fim, exige uma força-tarefa da Defensoria Pública, dado o grande número de vítimas no processo.
A pesquisa foi feita com os moradores que estavam nos abrigos disponibilizados pela prefeitura, totalizando 370 famílias. O documento traça um perfil morador do Pinheirinho, que tem renda média entre um e dois salários mínimos. As profissões mais comuns são de pedreiro, trabalhador doméstico, ajudante de obras e auxiliar de serviços gerais. Do total das famílias entrevistadas no abrigo, havia 969 crianças e adolescentes que moravam com os pais..."

terça-feira, 13 de março de 2012

Alguns Poemas de Maiakóvski

 

LÍLITCHKA!
Em Lugar de Uma Carta

por Vladimir Maiakóvski
(Petrogrado, 1916)

De qualquer forma
o meu amor
- duro fardo por certo -
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.

Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.

Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.

Se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.

Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos – rodopiante carnaval -
dispersarão as folhas dos meus livros…
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?

Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.

(trad. Augusto de Campos)

* * * * *

A FLAUTA VÉRTEBRA

A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.

(tradução: Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)

* * * * *

"Alô!
Quem fala?
Mamãe?
Mãe!
Teu filho está esplendidamente enfermo,
Tem um incêndio no coração.
Diz às manas Ludmila e Olga
que ele já não sabe pra onde ir.
Que cada palavra
até a mais leve graça
que lhe sai da boca ardente
salta como uma prostituta nua
fugindo de um bordel em chamas.

As gentes farejam:
- "Cheira a queimado!"
Chamaram a quem?
Brilham capacetes...
São inúteis essas botas gigantes...
Dizei aos bombeiros
que subam ao coração em chamas
com um par de carícias!
Eu mesmo
derramarei de meus olhos
tonéis de lágrimas.
Deixai que eu me apóie
em meu próprio peito.
Saltarei, saltarei, saltarei!
É inútil. Tudo desaba.
Jamais fugirás de teu próprio coração."

* * * * *

"...surpreendo o pulsar selvagem
do coração das capitais.
Desabotoado, o coração quase de fora,
abria-me ao sol e aos jatos d'água.
Entrai com vossas paixões!
Galgai-me com vossos amores!

Doravante não sou mais dono de meu coração!
Nos demais - eu sei,
qualquer um o sabe -
o coração tem domicílio
no peito.
Comigo
a anatomia ficou louca.
Sou todo coração -
em todas as partes palpita.

Oh! quantas são as primaveras
em vinte anos acesas nesta fornalha!"

* * * * *

"Amarra-me a um cometa,
como à cauda de um cavalo
e chicoteia!
Que meu corpo se estraçalhe
nos dentes das estrelas.
Ou então: quando minh'alma migratória
franzindo o cenho carrancudo
estiver diante de teu tribunal,
atira a Via-Láctea,
faz dela uma forca
e dependura-me se quiseres,
qual um criminoso.
Faze o que quiseres."

VLADIMIR MAIAKÓVSKI
(1893-1930)

domingo, 11 de março de 2012

"Não diga que as estrelas estão mortas... só porque o céu está nublado." (Wado)


Caros leitores & cosmonautas da blogosfera:

Desde que foi exterminada toda a música que era por aqui compartilhada, este blog vêm sofrendo com uma certa crise de identidade, semelhante àquela que acomete alguém que teve um membro amputado e que, apesar de precisar redefinir seu papel no mundo e suas ações cotidianas em sua nova condição de handicaped, ainda sente o braço ou a perna que já não tem.

O Depredando o Orelhão é hoje um dos estropiados e mutilados em outra das guerras que o capitalismo  norte-americano teima em inventar: "a guerra em prol do direito autoral" - guerra esta que, me parece, pretende atacar a própria estrutura da Internet, cercear as potencialidades mais incríveis desse meio-de-comunicação tão revolucionário, em prol, como de praxe, do direito-ao-lucro das mega-corporações de mídia, dos magnatas da Indústria do Entretenimento, dos que já tem mais do que precisam ter ("e quase sempre se convencem que não tem o bastante... falam demais por não ter nada a dizer!"). 

Por isso o blog têm andado meio de luto, carregando ainda este "membro fantasma" que são 54 gigabites de MP3 e mais de 800 álbuns musicais recentemente dizimados. O que vocês vêem aqui é menos um blog do que um soldado ferido, internado no ambulatório, exangue e pálido depois dos tiros que tomou do "Esquadrão Anti-Pirataria". 


estatísticas do mediafire dias antes do deletamento da conta... tudo o que se perdeu!

Dia desses, lá no Metrópolis, na noite memorável em que o M.Q.N. encerrou suas atividades após 15 anos de muito bad ass rock'n'roll (mas na certeza de que a "cena" de Goiânia prossegue muito bem representada por Black Drawing Chalks, Hellbenders e mais um monte de gente....), eu e o Batata divagávamos sobre o futuro da música na era da Internet. Concluímos que infelizmente há uma grande chance de nos tornarmos, no futuro, uns saudosistas, uns nostálgicos, uns "tiozões" cheios de discursinhos "ah como era boa a época em que a gente era jovem!"

Infografia: Porque Dizer Não à ACTA 


“…uma das propostas do ACTA é que seja criminalmente punido todo e qualquer indivíduo que partilhe, ou usufrua, de forma livre e gratuita, de qualquer tipo de informação protegida por direitos de autor na Internet, seja essa informação uma música, um filme, ou até uma citação de jornal ou livro. Ou seja, a partir do momento em que o projeto-de-lei estiver em vigor, passará a haver um severo controle de todos os conteúdos publicados online, sejam eles música ou textos de opinião.” (@baixacultura)

É possível que nos tornemos, caso SOPAS, ACTAS e PIPAS sejam realmente efetivadas, tiozões cheios de saudade que lembram-se com lágrimas nos olhos dos bons-velhos-tempos em que a Internet era livre... Teremos que nos lamentar por ter ocorrido o cerceamento e o estrangulamento do compartilhamento livre de dados devido às tiranias do grande capital.Contaremos às novas gerações a história de um tempo em que a cultura circulava mais livremente e onde o acesso à maior biblioteca multimídia já criada era fácil e barato. "Filhão, era uma vez um tempo sublime onde existiam trecos chamados Napster e Megaupload...". 

Àqueles que vêm pedindo insistentemente, nos comentários, que os álbuns sejam repostados, peço que entendam a imensa dificuldade de restabelecer uma biblioteca musical desse tamanho, que foi sendo construída aos poucos, ao longo de 4 anos de trabalho. Lamento dizer que não há nenhuma chance, no futuro próximo, desse blog voltar a operar com 100% de links funcionais, como foi até pouco tempo. Mesmo que eu recomeçasse os uploads, correria o risco de realizar um imenso Trabalho de Sísifo, arrastando pedregulhos para o topo de montanhas só para vê-los despencar de novo encosta abaixo.

Na real, a Internet, hoje, passa por um período instável e qualquer serviço de file-sharing corre o risco de ser fechado, processado e exterminado da noite pro dia. Os EUA estão chefiando uma enorme campanha de criminalização de blogs como este aqui e os mais truculentos e autoritários dos líderes políticos gostariam de botar um monte de gente na cadeia por baixar ou compartilhar música da Internet.

 Os Estados Unidos da América, afinal de contas, há décadas vêm agindo como um truculento gigante brutalhão que só enxerga interesses privados, cego feito um poste para conceitos como "justiça social" ou "acesso universal à educação e à cultura". Meu anti-americanismo, que sempre foi intenso, só se intensifica mais - e muita gente, de Chomsky a Naomi Klein, de Michael Moore a Slavoj Zizek, nos mostram muitas razões legítimas para que sintamos indignação contra a política externa e interna do establishment yankee. 

Eis um Estado que apoiou ditaduras militares na América Latina (antes do 11 de Setembro de Manhattan, é sempre bom lembrar, houve o 11 de Setembro de 1973 no Chile, com os EUA apoiando as tropas de Pinochet na derrubada de Allende...). Eis um Estado que devasta com suas bombas os países que ensaiam uma alternativa socialista ou comunista, e sempre papagueando que vai "ensinar o que é democracia". Eis um Estado que invade com sua máquina bélica, que aliás sofre de elefantíase, o Oriente Médio transbordante de petróleo, cego para o fato de que uma civilização baseada em petróleo é insustentável e que vai inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, sofrer mais e mais cracks. 

Eis uma nação que encarcera grande parte de seus próprios cidadãos: 25% da população carcerária do mundo está nos EUA! Enfim: uma nação onde Wall Street, os banqueiros, as mega-corporações, o setor bélico e os militares têm muito mais poder do que seria recomendável; um Estado policial, autoritário, fundamentalista, violento, embriagado de ganância, poluidor atmosférico que caga em cima de Protocolos de Kyoto, e assim por diante...


Infelizmente, pois, não sinto ânimo para recomeçar a construção da Biblioteca de Música que eu estava construindo aqui no Depredando, sabendo do imenso descaso e desdém que o FBI e os acionistas de Wall Street possuem pela idéia de Cultura Livre. O acesso gratuito e massivo a bens culturais que formam, informam e inspiram não interessa aos grandes poderes (podres poderes!), não interessa ao 1% no topo da pirâmide. O que eles querem é se manter no topo, com tudo o que isso implica de prosseguimento da concentração de capital e da "monopolização" do que Bordieu chamaria de "capital cultural". O capitalismo não tem interesse em que nos tornemos cultos e bem-informados: quer-nos consumidores burrinhos, hipnotizáveis por propagandas escrotas, que comprem feito sonâmbulos e que prossigam sustentando um sistema insustentável.


Mas o Depredando o Orelhão é um vietcongue aguerrido. Foi mutilado e estrupiado, mas não quer cometer blogcídio e confessar derrota. Tenho muito gosto por este blog, rebento do meu ventre grávido de vontades de falar sobre a música que me entusiasma. Nunca imaginei, ao criar essa bagaça, que ela um dia chegaria a mais de 275.000 visitas e quase 1 milhão de downloads. É sinal de que há muita gente que se interessa por conhecer novos sons, expandir horizontes culturais, ir além da papinha mastigadinha da grande mídia. Coloquei um bocado imensurável de tempo e dedicação nisso aqui, por mais de 4 anos, sem jamais ganhar um único tostão com isso. Não ganho grana às custas do trabalho de artistas ou de corporações e, pra mim, pirataria "de verdade" é aquela feita com fins lucrativos, o que não é o caso de nenhum dos excelentes blogs brasileiros da "nossa turma": Eu Ovo, Um Que Tenha ou Hominis Canidae, dentre muitos outros.

Tenho certeza que não é intenção de nenhum desses blogs, nem nunca foi do Depredando o Orelhão, prejudicar qualquer artista que seja: é a Indústria que demonstra muito mais desdém pelo valor "humano" da música do que qualquer desses blogueiros, muitos deles autênticos amantes da música, que desejam difundir e disseminar as criações que descobrem e, assim, contribuir para que os artistas se tornem mais conhecidos, mais apreciados, e que possam assim circular mais por aí, tocar mais ao vivo, estabelecer novas ligações e parcerias.

 Já a Indústria é cega a todos os valores que não sejam os comerciais; pra ela, música não passa de mais uma mercadoria. Já os verdadeiros artistas, como eu entendo, desejam sobretudo que a música atinja outros seres humanos, que seja reproduzida o máximo possível por aí, que expresse algo de intenso, de comovedor, de belo ou de terrível que faça o público simpatizar, empatizar, se inflamar, cantar junto, dançar no ritmo... em suma: o artista quer contato genuíno com seres humanos que se abram à influência de sua obra.

Claro que todo artista precisa de seu ganha-pão e que aqueles que não têm contratos com grandes corporações (são maioria!) sofrem para viver de arte. Ora, me parece que a blogosfera existe como um "palco" privilegiado justamente para a difusão da arte independente, de tudo aquilo que não consegue atingir as grandes mídias tradicionais, que não toca no rádio nem passa na TV. Daqui pra frente, pois, a solução para o blog se manter vivo será investir cada vez na Independência. Por uma sociedade mais artística, mais lúdica, mais criativa, com uma circulação de idéias, criações e pessoas intensa e fecunda!

 Se o Eixo nos rechaça e nos reprime, é mais um motivo para ir, cada vez mais, para fora do eixo. Incentivar os artistas locais. Divulgar a arte que nasce longe da indústria. Tentar fomentar cada vez mais estas redes que permitem ocorrências fantásticas como... 200 Gritos Rocks em 2012. Quem diria que um "agito" nascido em Cuiabá atingiria algo tão colossal! Mas também depende do público que frequenta os blogs tornar-se cada vez mais consciente dos malefícios do grande capital e dos abusos da Indústria do Entretenimento, e apoiar os inssurrectos, os que gritam "independência ou marte!", ou que saem do trilho, os que constroem alternativas.



Isto aqui, portanto, não é mais um "blog de MP3". Os coices que nos deram as ôtoridades em guerra contra nós, os "piratas", exigem que isto aqui passe por uma mutação. Não se assustem, pois, com as imprevisíveis modificações no conteúdo do blog. Serão experimentos de novos rumos. Como jornalista e filósofo, me interesso por um bocado de assuntos além de música e que, daqui pra frente, pretendo tratar em mais detalhes por aqui, com destaque para algumas "causas políticas" que eu me sinto cada vez mais serem urgentes e dignas de ativismo e luta - não só a libertação da Internet do jugo dos censores, mas muitas outras: libertação animal e vegetarianismo, aquecimento global e outras questões de sustentabilidade, fanatismo religioso e a preocupante sobrevivência de poderes pastorais, legalização da cannabis e políticas de drogas mais inteligentes, direitos civis de minorias, e por aí vai...

Tenho também uma pá de textos na gaveta, ainda sem publicação, que são os primeiros frutos das minhas pesquisas de mestrado. Há uns seis meses sou um mestrando em filosofia na UFG (Universidade Federal de Goiás) que têm se debruçado sobre as idéias de Nietzsche, Foucault, Huxley, Benjamin, Max Stirner, dentre outros. Melhor do que deixar mofando na gaveta, me parece, é postar os textões aqui, ainda que eu saiba que a paciência e a dedicação para ler textos mais longos e "exigentes" seja um tanto rara. Não estranhem, pois, com as "novas caras" que este blog vai experimentar, em "guinadas" em direções as mais diversas... mais à vanguarda, mais à esquerda, mais à míngua, mais com cara dum zinão punk, quiçá mais panfletário e mais politizado, mas espero que... mais indefinível do que nunca. Sugestões, conselhos, críticas e idéias serão sempre muito bem-vindas, em especial num momento desses, de crise identitária e tentativa de definição de novas vias, novas barricadas, novas guerrilhas. 

Este vietcongue estropiado não confessa derrota e ainda quer sobreviver para pôr pulgas na cueca de Golias. A solução, por hora, é abandonar o MP3 e deixar os posts antigos como estão, uma espécie de ossário a céu aberto que lembre o visitante de tudo o que foi perdido, souvenir de uma biblioteca arruinada. Uma batalha foi perdida, mas não a guerra. Os anônimos são legião. E agora as guerrilhas são outras: na aldeia global, guerrilheiros de várias pátrias se unem em causas comuns, tentando se organizar contra o autoritarismo e os liberticidas num mundo em acelerada e constante mutação. Ferido mas longe de estar morto, este blog se arrasta para a Sierra Maestra!


Sigam antenados!

P.S.: as atualizações estão bem mais frequentes
lá no nosso Tumblr... confira!

quarta-feira, 7 de março de 2012

pra bom entendedor meia palavra bas...



Mariana Aydar 
“Tá” 
in: Peixes, Pássaros, Pessoas [2009] [download]



Pra bom entendedor, meia palavra bas-
Eu vou denunciar a sua ação nefas- 
Você amarga o mar, desflora a flores- 
Por onde você passa, o ar você empes- 
Não tem medida a sua ação imediatis- 
Não tem limite o seu sonho consumis- 
Você deixou na mata uma ferida expos- 
Você descora as cores dos corais na cos- 
Você aquece a Terra e enriquece à cus- 
Do roubo, do futuro e da beleza augus- 

Mas de que vale tal riqueza? Grande bos- 
Parece que de neto seu você não gos- 
Você decreta a morte, a vida indevis- 
Você declara guerra à paz por mais bem quis- 
Não há em toda fauna um animal tão bes- 
Mas já tem gente vendo que você não pres- 
Não vou dizer seu nome porque me desgas- 
Pra bom entendedor, meia palavra bas-

terça-feira, 6 de março de 2012

<<< Woolloongabba-gabba-hey! >>>

Sexta-feira agora (11/05), em mais um evento caliente da Fósforo Cultural, o rock'n'roll etílico e festeiro dos Woolloongabas toma de assalto o Metropolis Retrô (Rua 93). A abertura fica a cargo dos West Bullets e a discotecagem é minha e do Pedro Kurtz. Glue there! Confira a página do evento no Facebook e relembre na seqüência a matéria + entrevista com os caras >>>


 

"O uísque é o melhor amigo do homem.
É o cachorro engarrafado."

 VINÍCIUS DE MORAES


"Whisky para os ouvidos", nome do primeiro EP dos Woolloongabbas, é uma expressão perfeita para definir o rock'n'roll altamente etílico e festeiro deste quinteto goiano. Com um som e um estilo-de-vida inspirados pela boêmia e pelo hedonismo mais deslavados, os Woolloongabbas vêm tocando seu blues-rock com pitadas de punk e de country há cerca de 6 anos e já se apresentaram em todos os grandes festivais de Goiânia: Bananada, Vaca Amarela, Goiânia Noise, Grito Rock e Release Alternativo. Também já tiveram a honra de abrir para a banda gringa Nashville Pussy, em 2007, em show no Martim Cererê.

O álbum de estréia da trupe, Alter Ébrio (2009), gravado no Rock Lab com produção do "mestre" Gustavo Vázquez, reúne 13 canções que lembram o som de Ultraje a Rigor, Matanza, Lynyrd Skynyrd, AC/DC (que eles, aliás, já coverizaram numa edição do Covernation). Os Woolloongabbas até se declaram membros de uma "Cena do Rock Bêbado" que incluiria Velhas Virgens, Faichecleres, Made in Brazil, Zumbis do Espaço, dentre outras bandas desavergonhadamente festeiras.

"Alabama que nada,
meu sotaque é goiano!"

Muitos dos músicos da banda estão ou já estiveram envolvidos com outros projetos: o baixista Juan, que cita como uma de suas principais influências o Les Claypool do Primus, também toca na banda Engravatados. O guitarrista-solo Lucas Mateucci, inspirado por Angus Young, Stevie Ray Vaughan, Allman Brothers e Black Crowes, toca também no Johnny Suxxx & The Fucking Boys. E o batera Hélio, admirador de muitos músicos de Goiânia (como Douglas, do Black Drawing Chalks, e Rodrigo, dos Hellbenders), já segurou as baquetas dos Bang Bang Babies. Os três, somados aos vocalistas Éder Alexandre e Jordão Vilela, formam os Woolloongabbas.

Depois de assistir a um ensaio de alta pressão dos caras num estúdio goianiense, o Depredando o Orelhão foi ao boteco da esquina (onde mais?!?) conversar com os caras e descobrir mais sobre o Universo Woolloongabba. De saída, descubro que a banda não foi batizada em homenagem ao grito-de-guerra dos Ramones, o "Gabba-gabba-hey!", nem é mero nonsense de saborosa sonoridade. Quem explica a verdadeira origem do nome é o batera Hélio: "Quando morei na Austrália, trabalhei num bairro chamado Woolloongabba. Achei que isto dava um nome de banda muito massa e que seria, além disso, uma forma da banda homenagear nossos grandes mestres inspiradores australianos. Aí ficou. A galera até começou a gritar nos nossos shows 'Woolloongabba-gabba-hey!' e tal." Só de gozação, Éder adiciona: "O nome Woolloongabba parece o nome de um Ursinho Carinhoso..." Gargalhadas gerais.

A maioria das letras é composta por Éder e versa sobre bebedeira, estrada, amizade, azaração e temas boêmios em geral: "É muito característica esta temática do ir-pro-bar, encontrar os camaradas, falar mal do chefe... Quando montei a banda, até tentei compor com temas sérios, falar sobre o assassinato de Sandrinha ou a Lei de Murphy, mas num tava rolando. Até que um dia ouvi um CD do Velhas Virgens e o cara só fala de cachaça e mulherada. Aí falei 'pô, eu posso falar disso também!'"

Éder, originalmente de Catalão (GO), já não mora mais em Goiânia, mas pega estrada com frequência, vindo de Araraquara (SP) até a "capital do cerrado" para encontrar os amigos de banda e manter o pavio aceso e queimando. "De dois anos pra cá", explica Éder,  "mudei de Goiânia, primeiro pra Brasília, depois pro interior de São Paulo. Eu saí de Goiânia, mas Goiânia não saiu de mim. Aí comecei a falar nas letras de viagem, de estrada, do quanto é bom voltar pra casa, e esta vai ser a temática do nosso próximo CD, o Woolloongabbas Na Estrada, numa onda cada vez mais próxima da nossa maior influência, o Lynyrd Skynyrd. Só que a gente não vai falar do Alabama, vamos falar de Goiânia, né?" E ele garante: "Distância num vai acabar com a banda não! A gente se ama!"


Os caras já fizeram  duas tours pelo Sul do país: na primeira foram de van até Maringá, Umuarama ("mais conhecida como Mulherama", frisa Jordão) e Londrina, onde lembram-se de shows excelentes na companhia de Nevilton e Família Palin do Norte da Turquia. Na segunda ocasião, rolou quase uma epopéia num Celta 1.0, sem som e lotado de instrumentos, que eles relembram entre muitas risadas: "Nosso show lá no Paraná era na sexta à noite", rememora Éder, "eu, o Jordão e o Lucas saímos de Goiânia na quinta à noite, umas 22h (o Hélio e o Juan já tinham ido de ônibus no dia anterior). Deu 10 minutos de viagem, o Lucas já tava roncando. O Jordão ficou conversando comigo até umas 2h da matina, mas depois também capotou. E aí foi Red Bull comendo solto. Fizemos 800km em 8 horas e tomamos no total umas 17 latas de Red Bull. Chegamos lá às 9h da manhã e já começamos a enxugar as 3 garrafas de uísque que a gente tinha levado. Pra distrair no caminho, fomos cantando, mas a gente só sabia 3 músicas: 'Caminhoneiro' do Roberto Carlos, 'Trem de Araguari' do Leonardo e 'Sweet Home Alabama' do Lynyrd Skynyrd.' Foi uma experiência sensacional!" "Nossos shows são marcados por insanidade, loucura e amnésia no outro dia", descreve Jordão Vilela, com muito conhecimento de causa. "E muita amizade também." 


Dentre os shows mais memoráveis que já fizeram em Goiânia, eles se lembram de um no festival Release Alternativo em 2008. "Ia começar o show e o Martim Cererê ainda tava vazio", relembra Jordão. "Aí o Pablo Kossa falou pra mim 'Vai lá fora e fala que quem quiser pode entrar de graça!' Tinha um monte de mendigos e de putas na pracinha ao lado, fui lá e chamei todo mundo pra entrar. Liberou geral. Aí ficou lotado e foi sensacional! Tinha até um mendigo lá que era a cara do Seu Jorge, até deu uma palhinha..."

Nesta ocasião, rolou até a participação especial de uma stripper, como relembra Éder: "O João Lucas [vulgo Johnny Suxxx, da Fósforo Cultural, organizadora do festival] me deu um toque: falou para eu tocar um blues e convidar quem estivesse afim a subir no palco e fazer um strip-tease. Aí deu 30 segundos de música e 'brotou' no palco, saída do camarim, uma mina toda camuflada com uniforme de exército e... tirou a roupa, cara!" Daí em diante, a presença especial de uma stripper "animando" o palco passou a ser uma possibilidade sempre esperada pela platéia woolloongabbamaníanca. "Depois desse show tivemos também a idéia de confeccionar calcinhas e vender para as nossas fãs. Em várias ocasiões, antes dos shows, elas chegam e nos dizem que estão vestindo a calcinha dos Woolloongabbas. Mas esse lance de groupie não existe no vocabulário dos Woolloongabbas: elas são 'amigas coloridas'."


Apesar de Goiânia Rock City já ser amplamente reconhecida como um dos mais efervescentes centros latino-americanos onde ferve o rock independente, Goiânia prossegue sendo lembrada pelo grande público por ser uma das capitais da Música Sertaneja. Os Woolloongabbas não têm pudor de abraçarem estas duas "tendências" sem o mínimo preconceito: "Todo mundo na banda gosta de música caipira e sertaneja, a gente não esconde isso não, até faz questão de deixar muito claro!" afirma Jordão.

 "Quando eu era pequeno, eu era fã do Chitãozinho e Xororó", relembra Éder, "tinha até um cabelo igual ao deles, pôster dos caras no quarto e um montão de fitinhas K7. Quando faço aniversário e convido a galera do rock pra festa, meu pai começa a tocar sanfona e viola e tem gente que canta todas as músicas caipiras enquanto está lá em casa... Não tem como a gente fugir disso: eu acho que todo goiano tem um pai, um irmão ou um tio que gosta de música caipira, e quase todo goiano quando era pequeno escutou esse tipo de som,  não tem como não te influenciar... especialmente naquele momento quando você toma aquele chifre, tá meio desiludido da vida, cê vai lembrar do Leandro e Leonardo mesmo, não adianta! A música caipira é o blues do Brasil: é música simples feita lá na roça."

Uma banda de rock and roll tipicamente goiana, os Wooloongabbas bradam com orgulho que têm AC/DC e Skynyrd nas veias, mas que nem por isso deixam de lado influências como Milionário e José Rico e Johnny Cash. No último Vaca Amarela, festival que contemplou 10 anos de vida em 2011, Depredando pôde conferir pela primeira vez os caras em cima do palco e comprovou que há poucas bandas brasileiras mais competentes na arte de transformar um show numa festa altamente hedonista e descontrolada. Os caras inebriaram o entusiasmado público que lotou o Martim Cererê com biritas gratuitas de monte, fornecidas pela Cachaçaria Woolloongabbas, e o palco transformado num boteco (com Grazi Reis, Pablo Kossa e João Lucas bebendo umas numa bowa...) As imagens - que o Depredando registrou amadorísticamente mas com muita empolgação - falam por si só. Woolloongabbas é isso: festança rock and roll de alta voltagem que conduz à embriaguez geral. 


WOOLLOONGABBAS - Alter Ébrio (2009)