segunda-feira, 23 de julho de 2012

"O poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia..." - Especial Torquato Neto (1944-1972), por Fred Di Giacomo Rocha

Torquato e Gil na Passeata dos Cem Mil, 1968.


“Existirmos, a que será que se destina?”

por Fred DiGiacomo Rocha (@Punk Brega)



Quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião 
eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes

TORQUATO NETO



É legal que a gente encontre fácil no Brasil a edição da Conrad de Reações Psicóticas” de Lester Bangs, famoso crítico musical americano. Seria legal termos essa facilidade com a obra de Torquato Neto (1944-1972), um dos nossos Lester Bangs.

Torquato Neto era um blogueiro dos anos 70. Escrevia a coluna “Geléia Geral” no jornal Última Hora, onde cobria a vida cultural brasileira (especialmente do Rio), com foco na música, no cinema e num pouco de literatura. Do teatro ele não gostava muito, mas anunciava as novidades, assim como uma ou outra notinha sobre artes plásticas.

 É legal acompanhar dia após dia, na sua “Geléia Geral”, a história da música brasileira (e mundial) nos ricos anos 71 e 72. Torquato, saudosista, reclamava que a MPB estava muito parada. Pra quem lê hoje soa como ironia. Eram os anos de Fa-Tal da Gal (Com “Vapor Barato” e “Pérola Negra”), Transa  (disco em inglês cult do Caetano), Construção do Chico Buarque (com a faixa título mais “Cotidiano”, “Deus lhe pague”, “Valsinha” e meia dúzia de clássicos) e o discão do rei Roberto Carlos que trazia “Detalhes”, “Debaixo dos Caracói dos seus cabelos” e “Como dois e dois”.

 Lá fora, John Lennon estava de música nova: "Imagine". E Torquato avisava a galera pra se ligar em uma banda inglesa que estava amadurecendo bem; o Pink Floyd. (Ainda dois anos distante de lançar seu mega-sucesso The Dark Side of the Moon). E os Novos Baianos começavam a se tornar íntimos de João Gilberto (influência que daria origem ao clássico Acabou Chorare).

No cinema, Torquato era do time dos “undigrudis”: Ivan Cardoso, Rogério Sganzerla e, claro, Zé do Caixão. Descia a lenha no cinema novo, de Cacá Diegues e Arnaldo Jabor, que passara a ser patrocinado com grana estatal. Só poupava Glauber das críticas. E se empolgava com a tecnologia das câmeras Super 8. 40 anos antes de Youtube e das filmadoras digitais ele previa: todo mundo vai ser cineasta.


“Os últimos dias de paupéria” (organizado por Wally Salomão e Ana Maria Silva de Araújo Duarte) foi publicado postumamente. Torquato estava preparando um livro ( que devia chamar-se “Do lado de dentro”) quando se suicidou com gás de cozinha no dia do seu aniversário de 28 anos.

Morreu sem publicar nenhum livrinho em vida. Deixou suas crônicas musicais, suas letras (“Geléia Geral” e “Louvação” com Gil, mais uma dezena com Caetano, Jards Macalé, Edu Lobo e a parceria póstuma de “Go Back” com os Titãs), algumas cartas (numa das quais conta como fumou haxixe com JIMI HENDRIX) e poesias – era poeta tropicalista, amigo dos concretistas e admirador da poesia marginal de Chacal, então estreante. 

Também dirigiu e atuou em alguns filmes Super 8. Sua empolgação com música-cinema-literatura não o segurou na vida, deprimido com a falta de liberdade da ditadura e a falta de bom gosto da esquerda. Nasceu no tempo errado. Inspirou Caetano numa de suas melhores letras; “Cajuína”, do álbum Cinema Transcendental (1979). Aquela que começa existencialista assim:

“Existirmos, a que será que se destina?”

Torquato Neto For Dummies: 15 canções que introduzem ao mundo do poeta que "desafinava o coro dos contentes". Segue o setlist! 01) "Marginália II" (Gil); 02) "Domingou" (Os Mutantes & Gil); 03) "Louvação" (Elis Regina e Jair Rodrigues); 04) "Geléia Geral" (in: Tropicália ou Panis et Circenses); 05) "Ai de Mim, Copacabana" (Caetano Veloso); 06) "Go Back" (Titãs e Fito Paez); 07) "Minha Senhora" (Gal Costa); 08) "Lua Nova" (Edu Lobo); 09) Jards Macalé, "Let's Play That"; 10) "Veleiro" (Elis Regina); 11) "Vento de Maio" (Nara Leão); 12) "Mamãe Coragem" (Gal Costa); 13) "Cajuína" (Caê); 14) "Que Loucura" (Sérgio Sampaio); 15) "Três da Madrugada" (Gal).

O Poeta Desfolha a Bandeira... (1985) >>> download

Todo Dia é Dia D - Tributo a Torquato Neto >>> download

2 comentários:

Di Giacomo disse...

Dá hora, Lúcio! É sempre uma honra participar do seu blog

Eliel disse...

Olá, meu caro! Nenhum dos raríssimos álbuns está com link ativo. Alguma chance de reupá-lo? Grato!