domingo, 22 de setembro de 2013

"As Redes e as Ruas" - Análise de uma Imbricação Ascendente, por Manuel Castells, sociólogo espanhol



Sinopse: “Principal pensador das sociedades conectadas em rede, Manuel Castells examina os movimentos sociais que eclodiram em 2011 – como a Primavera Árabe, os Indignados na Espanha, os movimentos Occupy nos Estados Unidos – e oferece uma análise pioneira de suas características sociais inovadoras: conexão e comunicação horizontais; ocupação do espaço público urbano; criação de tempo e de espaço próprios; ausência de lideranças e de programas; aspecto ao mesmo tempo local e global. Tudo isso, observa o autor, propiciado pelo modelo da internet.

O sociólogo espanhol faz um relato dos eventos-chave dos movimentos e divulga informações importantes sobre o contexto específico das lutas. Mapeando as atividades e práticas das diversas rebeliões, Castells sugere duas questões fundamentais: o que detonou as mobilizações de massa de 2011 pelo mundo? Como compreender essas novas formas de ação e participação política? Para ele, a resposta é simples: os movimentos começaram na internet e se disseminaram por contágio, via comunicação sem fio, mídias móveis e troca viral de imagens e conteúdos. Segundo ele, a internet criou um “espaço de autonomia” para a troca de informações e para a partilha de sentimentos coletivos de indignação e esperança – um novo modelo de participação cidadã.”

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"BRASIL: ESCUTAR ÀS RUAS"
Artigo de Manuel Castells em La Vanguardia - 29/06/2013

“Estava andando por São Paulo e Porto Alegre, falando de meu livro sobre os indignados do mundo, quando surgiu o movimento que sacudiu o Brasil. Espontâneo como todos os demais, sem líderes como todos os demais, surpreendendo a políticos e analistas como todos os demais. Originado na internet e tomando as ruas em mais de 90 cidades para fazer-se valer. A faixa que abria a manifestação no Rio de Janeiro dizia “Somos a rede social”. Ao que acrescentava outro manifestante “Saímos do Facebook e agora estamos na rua”.

“Vem, vamos pra rua; Pode vir que a festa é sua”, cantavam as pessoas se apropriando de uma canção publicitária relativa à Copa das Confederações. Quem iria pensar que os brasileiros protestariam a organização da Copa do Mundo de Futebol porque, como dizia outra faixa em Belo Horizonte, “já temos estádios de primeiro mundo, agora nos falta um país”? No lugar deste desperdício, que consideram manchado de corrupção, querem investimento público em transporte, educação e saúde. O movimento, iniciado em São Paulo contra o aumento das tarifas de transporte, respondeu a um chamado criado no Facebook do Movimento Passe Livre.

Em seu manifesto se autodefinem como “um movimento social autônomo, horizontal e apartidário, que jamais pretendeu representar o conjunto de manifestantes que tomaram as ruas do país”. Após terem conseguido a revogação do aumento das tarifas, continuam reivindicando a “Tarifa Zero”, ou seja, a gratuidade do transporte público, porque “a mobilidade é um direito universal”. 

E de fato o caos urbano se deve a uma urbanização que segue as pautas da especulação imobiliária, a atividade mais destrutiva, característica de um modelo insustentável de crescimento econômico e territorial. Depois se somaram demandas diversas, dirigidas à gratuidade e qualidade de educação e saúde, assim como um clamor contra a corrupção nas administrações e uma crítica do modelo político que as ruas não reconhecem como democrático. 

75% dos brasileiros apoiam o movimento. O partido do Governo, o PT de Lula, defensor da esquerda latinoamericana, sofreu um choque emocional. Alguns de seus líderes, como o governador de Brasília ou o ministro do Interior, utilizaram de imediato mão duríssima contra os protestos, empregando fogo real em alguns casos, com o resultado de vários mortos (estatística em curso), centenas de feridos e milhares de detidos. 

Até que a presidente Dilma Rousseff, em um gesto sem precedente na curta história dos movimentos de indignados pelo mundo, declarou que “tinha a obrigação de ouvir a voz das ruas”. Fez gala de cintura política e também de um certo poço de convicção de quem foi torturada e encarcerada pela ditadura. É uma mulher de esquerda, que tem tentado controlar a corrupção que corroe seu partido e seu governo. Ofereceu diálogo, recebeu algumas pessoas do movimento e prometeu investir em melhorias no transporte, saúde e educação. Também reprimindo àqueles ministros e dirigentes que consideraram inicialmente o movimento como um tema de ordem pública e ordenaram vigiar as redes sociais. E aceitou a crise de representatividade dos partidos e a necessidade de sua reforma, propondo uma assembleia constituínte para mudar a Constituição e submeter a plebiscito popular uma reforma do sistema político, tentando assim superar as travas que os políticos têm colocado sempre no Congresso a qualquer tentativa de limitar seus privilégios. 

Como é lógico, políticos de todas as tendências, em particular do opositor PSDB, se pronunciaram contra o plebiscito. De modo que nem a anulação do aumento que provocou a indignação, nem as promessas da presidente, enfrentadas pela classe política, apaziguaram o movimento, senão que o reforçaram. E ampliaram suas demandas, que agora incluem a desmilitarização da polícia e os direitos dos povos indígenas, submetidos à pressão de grandes empresas depredadoras da Amazônia.

Ninguém o esperava no Brasil e ninguém entende esse movimento, o qual parece incrível depois de três anos em que movimentos similares têm surgido em todo o mundo. É que esse sistema político atual, nem no Brasil nem em nenhuma parte, têm a capacidade de assimilar o que de verdade está acontecendo: que os cidadãos se expressem politicamente de forma autônoma sem passar pelos partidos. E a esquerda o entende ainda menos que os outros. Inclusive órgãos de imprensa esquerdista na América Latina acusam o movimento de ser uma conspiração imperialista contra um governo de esquerda. 

Claro que existem manifestantes de direita nas ruas do Brasil, e inclusive alguns grupos violentos e extremistas. Mas é que os movimentos autônomos não são de esquerda ou direita, expressam ao conjunto da sociedade, em sua pluralidade ideológica, e cada qual trata de aproveitar a conjuntura. Apesar disso, a imensa maioria são jovens sem outra afiliação além de seu desejo de viver a vida, em lugar de lutar por cada gesto cotidiano. São jovens que não dividem o entusiasmo pelo crescimento econômico do Brasil porque não vivem de estatísticas. “Não são uns centavos, são nossos direitos”, diziam as ruas de São Paulo. O emaranhado de comentaristas e acadêmicos que interpretam o movimento segundo sua ideologia não conseguem aceitar a realidade do que não entra em suas categorias. Por isso a vontade de reforma política e de políticas sociais da presidente têm surpreendido e alarmado a classe política, a exceção de Marina Silva, a popular líder ecologista, ex-ministra de Lula, candidata presidencial, que se colocou a serviço do movimento com sua Rede Sustentável. Se abre assim uma luta interna pelo sistema político entre quem quer reconciliar-se com a sociedade e quem nem sabe o que contesta.

Desde o Brasil chegam duas mensagens. Para os indignados: a mudança é possível incrementando a pressão das ruas, em quantidade e em qualidade. Para os políticos: quanto antes aceitarem a obsolescência de uma democracia esclerótica, mais fácil será a transição a novas formas de representação que conectem os cidadãos com as instituições."

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